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Um rebelde para chamar de seu

  • André D'Angelo
  • 17 de jun.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 18 de jun.

Mesmo que ele não exista mais


O New Kids on the Block foi uma das várias boy bands dos anos 1990 que, depois de um período fora dos holofotes, voltou a se reunir para turnês de revival. Em um de seus shows disponíveis no YouTube, os integrantes, agora cinquentões, repetem as coreografias dos áureos tempos – entre as quais uma em que seguram firme a virilha, naquele gesto consagrado por Michael Jackson, provocando gritinhos histéricos da plateia quarentona. Ao escutá-los, um dos agora old kids não contém o sorriso de quem percebe um certo ridículo na situação: um bando de pais e mães de família se comportando como adolescentes.


A imagem me veio à mente depois de assistir ao show de Ney Matogrosso em 30 de abril, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. Sucesso absoluto de público, a ponto de um repeteco já estar agendado para daqui um ano, a apresentação em muitos momentos lembra uma performance cult de idolatria teenage: Ney salta, rebola, se contorce, encara os espectadores languidamente e abre o zíper de seu macacão lantejoulado, mostrando o peito cabeludo - e a galera, às vésperas da terceira idade, delira.


É inevitável pensar que Ney virou um cover de si mesmo, uma paródia do ícone contracultural dos anos 1970 e 80. O figurino, o gestual e a reação que provocam tem um quê de déjà vu; formam um conjunto de maneirismos previsíveis bem embalado musical e cenograficamente. Se seus espetáculos do início de carreira tinham gosto de transgressão, hoje não representam mais do que molecagens, tais quais as dos New Kids e de suas fãs.


Em boa parte de sua trajetória, sob regime militar e/ou costumes severos, Ney surpreendia por ser andrógino, ostensivo, extravagante – e, claro, por evocar uma sexualidade até ali inclassificável. Hoje, com mais de 20 orientações sexuais e identidades de gênero catalogadas, é alvo de admiração por fazer em cima do palco o mesmo que fazia cinco décadas atrás – com corpo em forma e voz preservada, aos oitenta e tantos anos. Assombrosos são seu shape e seu fôlego, não sua coragem. Mais geração saúde e antienvelhecimento, impossível.


Fala-se muito que a sina de todo rebelde é virar um conservador. Pouco se lembra que a pretensa contestação repetida ad infinitum se torna um autocomplacente cultivo de cacoetes, e é um jeito de encaretar também. Ter um estilo ou uma marca pessoal poupa o artista de novos riscos e satisfaz a uma audiência já cativada.


Em suas memórias (“Vira-lata de raça”, ed. Tordesilhas, 2018), Ney lembra que os Secos & Molhados, banda na qual começou a carreira e lançou sua mise-en-scène característica, agradava muito às crianças, que não viam malícia nas exibições do grupo, apenas diversão. Com a turnê de “Bloco na Rua”, ele parece voltar ao início; as crianças daquele tempo são os adultos atuais, e ninguém sai do teatro verdadeiramente provocado, desafiado. É tudo somente entretenimento, um tributo às avessas aos primórdios de sua vitoriosa trilha profissional: o vanguardista em cima do palco já não existe mais, mas o público finge que sim.


Artigo originalmente publicado no Caderno de Sábado, do Correio do Povo, em 15 de junho de 2025.



 
 
 

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