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Batalhas camufladas

  • André D'Angelo
  • 1 de set.
  • 4 min de leitura

Quem concorre com quem nos negócios?


Academia de ginástica concorre com Netflix, que concorre com cinema, que concorre com bares e restaurantes, que concorrem com as bets, que concorrem com todo mundo. O excerto acima bem que poderia render um poema no estilo “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade, só que infinitamente mais extenso e sem conclusão à vista. Graças à tecnologia, a mudanças comportamentais e a algumas características intrínsecas à competição nos negócios, a disputa entre players atravessa fronteiras setoriais sem pedir licença e torna a velha tarefa de identificar adversários mais difícil.


A forma tradicional de detectar concorrentes é por meio da análise da oferta, cotejando produtos e serviços semelhantes ou substitutos. Assim, uma academia de ginástica rivalizaria com outras de preço, localização e infraestruturas parecidas, sob a primeira ótica; ou com os espaços e aparelhos disponibilizados gratuitamente em parques, praças ou condomínios, sob a segunda. Haveria ainda um terceiro tipo de concorrência, a potencial, constituída por clubes sociais que tivessem condições de investir em áreas esportivas, por exemplo.


Há, contudo, o lado da demanda também. Praticar atividade física não é obrigatório e, quiçá, nem desejável pela maior parte da população. Daí que o sedentarismo e a atração exercida pelo lazer dentro de casa, simbolizados pelo streaming de filmes e séries, representem opositores tão ferrenhos quanto qualquer estabelecimento vizinho na tentativa de despertar interesse pelo shape perfeito. Na briga pelo tempo e esforço do consumidor, o sofá e o controle remoto são inimigos duros e quase ocultos.


Tão invisíveis quanto as apostas online. Quando a economia brasileira já dava sinais de recuperação, lá por meados de 2023 e 2024, economistas perceberam que o aumento de renda não havia se transformado em consumo, poupança ou pagamento de dívidas. Tais quais encanadores em busca de um vazamento, concluíram que os trocados que sobravam do orçamento doméstico estavam pingando na conta das bets - e fazendo falta no caixa de supermercados, grandes redes de vestuário e negócios gastronômicos. A luta pela renda discricionária das famílias estava sendo vencida pelo gambling digital.


Há outras batalhas camufladas por aí. A Ducati, fabricante de motocicletas que custam 10 mil euros, garante que concorre com viagens da mesma faixa de preço, numa disputa pela autoindulgência de luxo. Numa faixa incomparavelmente mais modesta, mas ainda ligada ao nobre ato de mimar a si mesmo, a Pringles, que faz as famosas batatas-fritas vendidas em tubos, enfrenta salgadinhos não industrializados, como coxinhas e pasteizinhos, pela cota diária (ou semanal) de “tranqueiras” a que o consumidor se permite. E operadoras de telecomunicação, lojas de departamento e programas de fidelidade viraram pedra no sapato de instituições financeiras tradicionais ao oferecer serviços bancários, como empréstimos e seguros, graças ao acesso privilegiado ao consumidor, via bases de dados e pontos de venda.


Num cenário em que, como diriam Os Paralamas do Sucesso, não se sabe de onde vem o tiro, o que é possível fazer para evitar ser pego desprevenido? Monitorar concorrentes diretos, indiretos ou potenciais, a resposta tradicional, é relativamente simples. Mais difícil é entender os padrões de substituição do consumidor, aferíveis apenas via sondagens de comportamento e de percepção. Por meio deles, não raro se descobrirá que certas marcas disputam uma competição multimercado, em que duelam contra oponentes diferentes a depender da aplicação ou da situação de uso de um produto. Desse modo, se Kopenhagen, Cacau Show e outras chocolaterias se digladiam pela preferência dos fissurados no doce, quando o assunto é presentear alguém, seu cardápio de antagonistas aumenta, abrangendo perfumarias – Boticário, Natura etc. -, floriculturas e bazares, por exemplo. É como se uma mesma empresa tivesse boxeadores em diferentes ringues, trocando golpes com adversários diferentes, em categorias diferentes, tentando somar pontos para uma hipotética equipe de lutas. É da pontuação de cada lutador ao fim de um round que dependerá a chance de o conjunto ganhar uma medalha. Dificilmente o desempenho será homogêneo em todos os tablados; em alguns se bate, em outros se apanha, e é da análise dessas performances que virão as estratégias de investimento e desinvestimento de uma companhia.


Mas existem, claro, certos impactos intersetoriais difíceis de prever, inclusive pela velocidade e pelo grau de acaso que contêm. Desde que certos medicamentos antidiabetes passaram a ser usados para emagrecimento, um efeito dominó atingiu a indústria alimentícia e da hospitalidade - e outras aparentemente imunes às novidades farmacêuticas. Ao tornar seus usuários menos esfomeados, Ozempic, Wegovy e Mounjaro provocaram uma queda nas vendas de fast foods, salgadinhos, pães, doces e refrigerantes, além de exigirem adaptação no tamanho das porções e no horário de funcionamento dos restaurantes – para ter mais tempo de digestão, o usuário desses remédios passa a jantar mais cedo que o habitual. E não ficou por aí: levaram à falência a tradicionalíssima Vigilantes do Peso, nos Estados Unidos, e tornaram a vida dos ateliês de vestidos de noiva mais atribulada. Agora, os ajustes de última hora aumentaram em frequência, uma vez que as futuras esposas escolhem o modelo com antecedência e, então, se lançam ao uso de controladores de peso para estar em forma no dia do sim. Resultado: as nubentes reaparecem às vésperas da boda vários números abaixo do projetado para a peça, obrigando as costureiras praticamente a refazê-la.


E a torcer para que, ao subirem no altar, os noivos não sejam como os personagens de um certo poema em que cada um amava outro – e nunca era correspondido.


Artigo originalmente publicado na coluna Sr. Consumidor, da Revista Amanhã, edição nº 350.



 
 
 

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