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A fama do preço

  • André D'Angelo
  • 31 de mai.
  • 15 min de leitura

Atualizado: 4 de jun.

Branding enfrenta uma ameaça inédita: a revelação de quanto se paga por logomarcas


O rei está nu. Ou melhor, a rainha - aliás, várias delas, todas soberanas das mais nobres monarquias do branding. Não associou o nome ao logotipo? Então dê uma procurada na internet sobre o que tem sido dito sobre as marcas de luxo, aquelas mesmas que se consagraram como objetos de desejo dos consumidores e de inveja dos gestores de marketing dos negócios ditos “comuns”. Estão todas sob inédito escrutínio no maior palco do mundo, as redes sociais. O motivo: a discutível relação preço-qualidade dos produtos que oferecem. E, no limite, a sua própria integridade.


Começou com o youtuber turco Tanner Leatherstein, que desmonta bolsas e calçados de couro de marcas famosas, como Bottega Venneta, Prada, Louis Vuitton e Christian Louboutin, para avaliar a qualidade do material de que são feitos, o capricho das costuras e das colagens e a técnica empregada nos demais acabamentos. Oriundo de uma família que trabalha com a matéria-prima há gerações, e ele próprio dono de duas empresas de artigos feitos de pele bovina, Tanner consegue estimar os custos de fabricação de cada unidade e, a partir de seu preço de venda, determinar quão vantajoso é adquiri-las. Conclusão: muitas grifes multiplicam por 10 o que gastam em materiais e componentes na hora de precificar seus produtos, e há opções bem mais interessantes em value for money (vide Glossário) entre marcas menos votadas.


Continuou com outra produtora de conteúdo que, em viagem à Tailândia, descobriu numa cafeteria louças idênticas às da afamada Tânia Bulhões, pelas quais pagara R$ 200 a unidade no Brasil. Seu depoimento foi reforçado por seguidoras, que disseram encontrar exemplares iguaizinhos nos grandes comércios chineses online, sempre a preços camaradas. E houve ainda quem virasse o pires de cabeça para baixo e mostrasse que, sob o logo da marca brasileira, desgastado pelo tempo, luzia o nome de uma fabriqueta qualquer de algum canto do mundo.


Se você acha que os imbróglios acima, detalhados no Quadro 1 e acrescidos de outros exemplos, dizem respeito única e exclusivamente às marcas de luxo e a seu restrito universo de compradores, engana-se. Dizem respeito ao branding como um todo. E é fácil explicar por quê.


O ápice de todo processo de construção de uma marca é permitir-se cobrar um excedente derivado da notoriedade e do prestígio que ela empresta ao produto ou serviço. Computados todos os custos envolvidos e a margem de lucro padrão do setor, pergunta-se: quanto vale a familiaridade da marca, que traz segurança ao consumidor? E a garantia de qualidade que representa? E todos os atributos subjetivos associados a ela, sustentados pelo endosso de celebridades e por uma mensagem publicitária que entrou para o imaginário popular? Essa espécie de mais-valia semiótica, ou de renda passiva associada a ativos tão imateriais quanto desejabilidade e confiança, é um dos indicadores do valor de uma marca em seu ramo de atuação.


Embora o setor de luxo seja o campeão desse privilégio, outros tantos desfrutam dele. Os preços da Coca-Cola e da Nestlé, para citar duas fabricantes de bens de consumo cotidianos, não são maiores apenas em função dos melhores ingredientes. Uma fração daquilo que se despende em cada garrafa ou embalagem de biscoito remunera a reputação secular de uma marca e outra. Se na casa dos centavos ou das unidades monetárias, não sabemos e nem importa: há um surplus embutido na etiqueta de preço, pode-se estar certo.


Com a Nike não é muito diferente. Tanto que se consagrou, durante alguns anos, a definição de que a companhia fundada por Phil Knight era uma empresa de marketing (ou de branding, se assim preferirem) que vendia tênis e agasalhos. Praticou e vem praticando margens de lucro superiores às das rivais muito em função do que faz nos comerciais de 30 segundos, nos outdoors e nos contratos de patrocínio com as maiores estrelas do esporte mundial.


Nas maiores montadoras de automóvel do mundo, também. Nelas, plataformas de produção e diversos componentes são compartilhados entre seus modelos, sejam eles de entrada ou top de linha, quando não entre marcas do mesmo grupo, como Porsche, Audi e Volkswagen, ou que contam com acordos de cooperação, como Renault e Mercedes-Benz, ou Peugeot, Citröen e Mini Cooper. Ao desembolsar a mais por carros melhores, desembolsa-se pelo conforto, pela segurança, pela tecnologia embarcada e...pela marca.


Algo parecido acontece com eletrônicos. Com 14% das vendas mundiais de smartphones, a Apple alcança 80% dos lucros dessa indústria em função da aura que construiu em torno do iPhone. Paga-se caro pelas suas funcionalidades, pelo design e pela eterna imagem de Steve Jobs de calça jeans, tênis e suéter de gola alta apresentando mais uma novidade tech em algum palco da Califórnia.


Por isso, quando eclodem casos como o de Tânia Bulhões e de suas coirmãs internacionais, soa o alerta para todo o universo do branding. Marcas renomadas funcionam como sentinelas de potenciais epidemias. Se um vírus as atinge, é possível que se espalhe pela população de marcas em geral, dado que as mais conhecidas são as mais expostas e vigiadas, mas não as únicas sujeitas à observação com lupa. E como o lócus de onde partem essas infecções, as redes sociais, é infinito e sortido, pode comportar questionadores de reputação para todo e qualquer setor (e marca) existente por aí.


Prenúncios


A internet impulsionou revelações polêmicas, como aquelas citadas na abertura deste texto, mas seria injusto atribuir à grande rede a invenção da roda – nem sequer creditar à WWW o nascimento das ameaças às marcas. É possível relembrar pelo menos três episódios, nem tão antigos assim, que já constituíam ensaios semelhantes aos embaraços que fabricantes de bolsas de couro e louças caras enfrentam no momento.


Em fins dos anos 1990, uma revista voltada à informação de consumidores dos Estados Unidos, semelhante à brasileira Proteste, publicou uma análise na qual mostrava que camisetas polo de um grande magazine do país tinham qualidade superior às da icônica Ralph Lauren – que, por sua vez, cobrava sete vezes mais. Mostrou, também, que suéteres de US$ 340 de uma loja famosa de Nova Iorque tinham qualidade apenas levemente superior aos de US$ 25 vendidos no Kmart, uma das mega redes de descontos americana.


Uma década depois, a jornalista Dana Thomas lançou, no mercado de língua inglesa, “Deluxe: como o luxo perdeu seu brilho”. Nele, havia uma abrangente apuração sobre como e onde eram produzidos muitos dos artigos mais cobiçados da moda e dos acessórios. E a conclusão foi pouco lisonjeira: para atender ao apetite dos investidores, boa parte das grifes começou a usar matéria-prima inferior, transferir a produção para países subdesenvolvidos e trocar a artesania pela mecanização. “Ao mesmo tempo, muitas dessas marcas aumentaram seus preços exponencialmente e justificaram esses aumentos afirmando que suas mercadorias eram feitas na Europa Ocidental, onde a mão-de-obra é cara”, acusava Thomas (p. 10 da edição original, em inglês).


“Terceirizar a fabricação” lhe fez lembrar da polêmica envolvendo Tânia Bulhões? Bingo.


Em 2006, dois anos antes das revelações de Dana Thomas virem à luz, um jogador de basquete norte-americano enfrentou as gigantes do esporte com uma iniciativa inusitada. Em vez de aceitar um contrato de patrocínio com Nike, Reebok ou Adidas, Stephon Marbury, do New York Knicks, à época uma estrela em ascensão na NBA, preferiu ele mesmo desenhar e mandar fabricar um tênis com o seu nome. E não com a intenção de obter royalties maiores; pelo contrário. Em vez de precificar o modelo Starbury One nos esperados 100 dólares, ele o fixou em 15 – para permitir que crianças de baixa renda o adquirissem. “Se você cortá-lo ao meio, encontrará um tênis igual aos vendidos hoje por mais de 100 dólares”, garantiu.


“Cortar ao meio” remeteu-lhe a Tanner Leatherstein e seus vídeos de desmontagem de bolsas e calçados caros? Bingo de novo.


O que mudou de lá para cá? O mundo. A “Proteste” dos norte-americanos pertencia a uma época analógica. Era uma entre milhares (quiçá, milhões) de revistas que inundavam bancas e caixas de correio dos norte-americanos, soterrada por centenas de outras que promoviam o lifestyle de marcas que, à mídia, convinha colocar num pedestal, e não questionar. O livro de Thomas e o “peitaço” de Marbury são da adolescência da internet e da primeira infância das redes sociais. Ambas, internet e redes sociais, adultas e maduras hoje, comportam uma pletora de influenciadores, entre diletantes e especialistas, dispostos a destrinchar as opções de consumo falando diretamente com outros consumidores, sem intermediários. Contam, para isso, com a própria credibilidade, às vezes anterior ao mundo digital, outras tantas, construída nele mesmo, além da indispensável capacidade de comunicação. São muitos e dos mais variados tipos, e uma repercussão negativa para qualquer negócio está só ao alcance do acaso - isto é, de uma loteria comandada por algoritmos.


A estilista Alexandra Bastos, por exemplo, concentra-se em lojas de vestuário popular, como C&A, Renner, Riachuelo e Zara. Lá, tira peças das araras, avalia caimento, corte, tecido e acabamento, e sentencia se recomenda a aquisição. É possível que ela reprove mercadorias de uma ou duas centenas de reais (“não vale R$ 139!”), ou aprove outras, de algumas poucas dezenas. Alguém pode afirmar que nenhuma das varejistas visitadas pela influencer é uma marca de luxo. Mas, lembremo-nos, são marcas. Defendem uma reputação e cobram um prêmio, por menor que seja, pelos produtos que comercializam. Quando uma especialista com 800 mil seguidores ingressa em suas lojas e faz uma crítica abalizada de seus produtos, uma nova narrativa a respeito deles é criada – distante do controle dos departamentos de marketing das varejistas e sujeita a repercussões imprevisíveis.


Contexto


Há um elemento histórico que contribui para balançar, hoje, as estátuas do branding. A sociedade industrial provocou um afastamento do cidadão comum daquilo que ele compra e utiliza no dia a dia. Se antes boa parte do que era consumido produzia-se em casa ou se adquiria nas redondezas, de vizinhos e conhecidos, agora tudo chega às mãos das famílias por meio de grandes varejistas abastecidos por fabricantes de todo o mundo. O contato do consumidor com a origem do que adquire resume-se à publicidade e à loja, espaços em que predomina uma versão estilizada da mercadoria e de sua forma de elaboração.


Com isso, é pequeno o conhecimento do indivíduo a respeito de como as coisas que o circundam são feitas. Ele consegue, no máximo, intuir por meio de rótulos e etiquetas. A consequência mais óbvia desse distanciamento – e da decorrente ignorância – reside na dependência do preço como indicador de qualidade. Com a informação sobre custos tornada opaca, o preço passa a ser mais do que a contrapartida daquilo que um produtor leva ao mercado: torna-se uma mensagem acerca da qualidade, do posicionamento e do tipo de cliente a que um produto se destina. Resta ao comprador confiar.


Acontece que o branding é uma vantagem competitiva pós-industrial (vide Quadro 2), ou seja, forjada depois que o produto está pronto. E naqueles setores em que é especialmente importante, como os de bens duráveis, essa característica incentivou que a etapa de manufatura fosse retirada do rol de responsabilidades empresariais e transferida a terceiros. Fortalecer o branding, nos últimos 30 ou 40 anos, tem significado delegar a fabricação a fornecedores credenciados e concentrar-se onde o “valor” presumivelmente residiria: serviço, experiência, publicidade, patrocínios. E, ironicamente, está justamente nesta decisão o calcanhar-de-aquiles de algumas das marcas contestadas nas redes sociais.


Voltemos ao caso de Tânia Bulhões. A empresa brasileira afirmou, em nota oficial emitida durante a polêmica, que uma terceirizada, descumprindo acordos contratuais, “comercializou sobras de produção que não passaram pelo controle de qualidade” da marca. Desvios que serão evitados assim que sua fábrica própria, na França, começar a funcionar. Repare: Tânia Bulhões era (na verdade, ainda é) uma Nike das porcelanas. Desenha motivos decorativos para as peças, manda-as fabricar, as promove e vende. Não suja as mãos na lida operária.


No caso de suas homólogas estrangeiras, em grande parte francesas e italianas, o problema é um pouco mais profundo e antigo. Ao distanciar a produção de suas sedes e levá-la para a Ásia, começaram a enfrentar, primeiro, os desvios de peças para o mercado paralelo. Depois, a inevitável transferência de know-how, o que permitiu aos terceirizados investir em réplicas de alta qualidade dos produtos que fabricavam oficialmente, criando linhas paralelas. Como as cópias passaram a se parecer mais e mais com as originais, dificultando a diferenciação a olho nu, o consumidor sentiu-se incentivado a adquiri-las.


O resultado vê-se hoje nos grandes centros: superfakes vendidas na casa dos milhares de reais e uma naturalização de sua compra e utilização. Ao instalaram-se no topo da pirâmide, desfrutando de prêmios de preço elevados, as marcas de luxo ofereceram todos os demais andares a inquilinos que elas mesmas prospectaram e ajudaram a desenvolver. Foram traídas por quem lhes devia fidelidade e gratidão, inspirados quem sabe na frase célebre de Jeff Bezos: “a sua margem é a minha oportunidade”. E era mesmo.


Rumo a um “niilismo de marca”?


O que o futuro reserva às marcas cuja fama, agora, cobra-lhes a fatura de ver revelados segredos sobre seus preços? Vejo três caminhos potenciais, não excludentes, uma vez que dizem respeito a posturas e atores diferentes.


O primeiro é a vigência de uma espécie de niilismo de marca entre parte dos consumidores, uma descrença generalizada naquilo que nomes e logos representam ou prometem. Compras orientadas pela conveniência e pelo preço seriam a tônica nesse segmento, especialmente nas categorias em que o preço funciona como indicador de qualidade – ou seja, naqueles itens que não permitem experimentação prévia (ou em que é limitada, como um test drive) e são comprados eventualmente, como eletrônicos, automóveis, eletrodomésticos, roupas para ocasiões especiais etc. É possível que, para esse target, surjam mais negócios brandless, que vendam produtos acompanhados apenas de suas especificações técnicas, sem uma identificação distinguível, a não ser a da fachada do ponto-de-venda (ou do site). Como ocorre na varejista japonesa Muji, por exemplo, cujo nome quer dizer “produtos de qualidade sem marca”, onde se encontra de tudo um pouco: material de escritório, vestuário, móveis, objetos de decoração, cosméticos e até comida. Tudo brandless, sustentável e a preços acessíveis.


Uma segunda possibilidade é o surgimento de desafiantes declaradas das marcas mais prestigiadas. A norte-americana Quince é uma delas. Sua proposta, segundo a edição de outubro do ano passado da revista Wired: “oferecer produtos de qualidade idêntica ou superior à das grandes marcas de luxo a preços muito menores”, valendo-se dos mesmos fornecedores – porém, cortando os custos de intermediação e, claro, as próprias margens de lucro. Seu site não poderia ser mais explícito, como nas imagens que ilustram esta coluna: há alguma transparência de custos (I) e uma pequena amostra de transparência operacional (II e III). Tudo devidamente embalado nos conceitos de sustentabilidade, inclusão e fair trade.


A californiana Italic segue linha parecida. Atribui-se a missão de “redefinir o luxo moderno” baseada na produção ética, na durabilidade das mercadorias e no serviço ao cliente. Tudo online - loja física, não tem. Seu segredo? Conformar-se com margens mais modestas para que o produto chegue ao consumidor a preços acessíveis. No caso, de duas a quatro vezes mais baratos em relação àqueles varejistas que apostam no branding tradicional, em que parte dos lucros recompensa os esforços de construção de marca, seja no varejo físico.


Lembra da campanha da “real beleza”, da Dove? Pois é possível que estejamos à beira de uma iniciativa parecida, a do real valor, a terceira tendência que vislumbro para os próximos anos. Sua proposta: cobrar o chamado “preço justo” por produtos e serviços. Boa parte da intenção declarada de Quince e Italic é essa – daí que exponham, ainda que de forma superficial, seus números e sua cadeia de suprimento. Esse movimento pode mesmo não envolver marcas de renome, e sim estabelecimentos que se veem prejudicados por outros, mais ambiciosos em matéria de lucratividade, e que acabam afetando a imagem de todo um setor.


Pegue-se o caso recente dos restaurantes romanos, que criaram o “Pacto Carbonara” depois de assistirem o preço da tradicional massa com ovos e carne suína dobrar nos últimos anos, graças à explosão do turismo na capital italiana. A proposta do Pacto é instituir um preço-limite para uma porção individual da conhecida receita: 12 euros, de 25% a 40% menos do que vinham cobrando alguns restaurantes mais oportunistas. O medo de afastar viajantes e habitantes da cidade veio embalado também pela transparência: o prato “tem custo muito baixo para quem prepara. As matérias-primas se encontram em qualquer mercado. Custa entre um e 2,5 euros”, segundo o dono de uma tratoria (El País, 31/03/25). Precificá-lo em 8 a 12 euros proporciona às casas uma remuneração mais do que suficiente.


Profecia e justiça


Em um artigo da edição de setembro-outubro da Harvard Business Review de 1995, o professor e pesquisador Robert J. Dolan já alertava: “a facilidade de obter informações (...) tende a aumentar a sensibilidade a preço para muitos produtos e serviços” (p. 180). É o que acontece hoje. E, ao contrário do que se poderia imaginar, a informação a respeito de insumos, matérias-primas, processos produtivos e margens de lucro não sai de associações de defesa de consumidores ou de órgãos governamentais, mas sim de pessoas comuns, especialistas e empresas que veem na subversão da lógica histórica do branding uma forma de prestar serviços que julgam de utilidade pública - e, claro, de fazer deles uma ferramenta de autopromoção e/ou diferencial competitivo.


“Consumidores sabem que as empresas precisam ter lucro, mas esperam que ele seja razoável. Se veem lucratividade demais numa empresa, negam-se a comprar dela, tomando o preço como injusto”, escrevem três pesquisadores (Mohan, Buell e John. Marketing Science, Nov-Dec. 2020, p. 1.108). A frase dá o que pensar. E se as redes sociais fossem tomadas por um surto de engenharia reversa e influencers de todo o planeta resolvessem detalhar, produto a produto, seus processos de fabricação e estimar os custos incorridos? Do achocolatado ao xampu, do pão de fôrma ao detergente, do computador ao carro popular? Quais marcas sobreviveriam a tamanha averiguação escudando-se em sua fama, sua reputação, suas credenciais históricas? Futuro improvável, mas não impossível. Pela primeira vez na história, convém às empresas não atentar apenas a como gastam seu dinheiro em branding, e sim também a como o ganham.


QUANTO VALE O LOGO (Quadro 1)

Tanner Leatherstein é o codinome digital do turco Volkan Yilmaz. Ele tem quase um milhão de seguidores no TikTok. Em seus vídeos, Tanner usa canivetes e facas afiadas para abrir bolsas e calçados de luxo e analisar como e de quê são feitos. Criado numa família dona de um curtume e estudioso do assunto, Tanner começou a ser instado por amigos a opinar sobre o que compravam. “Isso me fez perceber que as pessoas não sabem muito sobre como o couro é obtido ou usado e desconfiam das margens de lucro dos produtos de luxo feitos de couro”, disse ao The New York Times (reproduzido por O Estado de S. Paulo em 06/01/24). Daí para investir dezenas de milhares de dólares em peças de grifes renomadas e tornar públicas suas avaliações, foi um pulo. Seu modus operandi: “uso acetona para remover o acabamento e posso ver a quantidade de maquiagem plástica que foi aplicada ao couro. Queimo o couro para avaliar qual processo de curtimento foi usado. Em seguida, observo o trabalho artesanal, que se reflete na costura, nas ferragens e na construção”. Conclusões? “A Louis Vuitton é uma das marcas de couro mais famosas do mundo, mas muitas pessoas não sabem que o material do icônico monograma LV é, na verdade, lona. (...) A Bottega Veneta usa couros incríveis”, mas em uma carteira testada por ele “o forro era feito de um couro de qualidade inferior ao descrito na etiqueta”. Por outro lado, marcas pouco conhecidas, como Strathberry, Polene e Coach podem ser ótimas aquisições.


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A China tem a sua própria versão do iconoclasta Tanner Leatherstein. Ele atende pelo nickname “Sen Bags”. Em vez de desmontar a canivetadas as bolsas já prontas, o influencer faz diferente: mostra os bastidores das fábricas em que superfakes são produzidas, explicando seu passo a passo e custo estimado de fabricação unitário. E garante: “são os mesmos materiais, as mesmas mãos, só que sem o logotipo”, referindo-se às grifes estreladas e suas réplicas.


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Do couro para a lã, as coisas não melhoram muito para algumas cabeças coroadas do branding. A italiana Loro Piana, famosa por seus cashmeres, lãs finas e vicunhas, foi pega no contrapé com a revelação de que a matéria-prima de seus suéteres caríssimos vinha de fornecedores peruanos sub-remunerados. Curiosamente, viu usada contra si uma medida cheia de boas intenções: o rastreamento completo de sua cadeia produtiva, “da cabra até a loja”. A transparência facilitou que investigadores cibernéticos de plantão fizessem as contas e denunciassem: tem muita margem de lucro num blusão de 9 mil dólares.


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Da Itália para o Brasil, dos tecidos para as porcelanas, e a encrenca bate à porta de Tânia Bulhões, empresária mineira que criou uma marca de produtos para casa e decoração, com ênfase especial nas louças. Uma tiktoker narrou assim, em fins de janeiro deste ano, o episódio que repercutiu até nos portais de notícia: “eu estava na Tailândia e fui tomar um cafezinho de cinco reais num lugar supersimples e fui servida simplesmente com uma xícara da Coleção Marquesa, da Tânia Bulhões. E, pasmem, não tinha escrito ‘Tânia Bulhões’. Cheguei em casa, fui conferir a que eu tinha. Simplesmente a mesma xícara, porém, com logotipo da Tânia Bulhões”. Outros usuários deram corda para o assunto, relatando incidentes semelhantes, e houve quem raspasse o logo da marca brasileira para saber o que aparecia por baixo. A marca explicou-se: seus produtos são muito copiados e falsificados, embora a porcelana branca às vezes venha, sim, com o nome do fornecedor certificado, para depois ser coberto pelo símbolo da companhia brasileira. Como resposta, a Tânia Bulhões interrompeu a produção das coleções alvo de desconfiança, enroscando-se então num problema adicional: e quem precisar de peças de reposição, faz como? Encomenda diretamente de alguma fabriqueta nos cafundós do planeta?


DE ONDE VEM A VANTAGEM? (Quadro 2)

Vantagens competitivas podem ser pré-industriais, industriais ou pós-industriais.

As primeiras são garantidas antes de iniciar o processo de fabricação, e dizem respeito ao acesso a fornecedores e matérias-primas, infraestrutura física, insumos abundantes e baratos, localização ou rede de prestadores de serviços.


As vantagens industriais são aquelas relativas ao processo produtivo em si, como melhores equipamentos, mão de obra treinada, pouco desperdício, eficiência.


Já as vantagens pós-industriais têm a ver com canais de distribuição, experiência de consumo, pós-venda, serviço ao cliente e, claro, marca.


MINIGLOSSÁRIO


Brandless: sem marca. Produtos que dispensam um nome comercial e contam apenas com a descrição de sua composição na embalagem.


Fairtrade: em tradução literal, comércio justo. Designa negócios que não exploram fornecedores nem mão de obra impondo-lhes preços escorchantes ou condições de trabalho inferiores àquelas vigentes em democracias ocidentais.


Réplicas: produtos falsos muito parecidos com os originais. Comuns em acessórios de couro e relojoaria.


Superfakes: o mesmo que réplicas.


Surplus: excedente.


Transparência de custos: revelar ao consumidor os custos nos quais uma empresa incorre na fabricação de mercadorias ou prestação de serviços.


Transparência de preço: revelar, a partir do preço de venda de uma mercadoria, qual a parte que cabe ao varejista, os impostos incidentes, eventuais royalties devidos a terceiros e o lucro da companhia que o produziu.


Transparência operacional: revelar os “bastidores” da fabricação de produtos ou da prestação de serviços. Mostrar os esforços e habilidades necessários para que uma mercadoria chegue ao consumidor ou um serviço lhe seja oferecido.


Value for money: custo-benefício.


Artigo publicado originalmente na coluna Sr. Consumidor, da Revista Amanhã, ed.349, de maio de 2025.




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