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Still cool?

As dores e as delícias do downgrade de marca no case Pierre Cardin

Abro uma revista esportiva brasileira e deparo com um anúncio da Pierre Cardin em que camisetas dentro de um bloco de gelo são acompanhadas pelos dizeres “Simply cool”. Fazia tempo que a marca não veiculava publicidade no país, ao menos que eu me lembre. E a opção por um periódico popular de futebol não deixa dúvida de que a Pierre Cardin não faz questão alguma de mudar sua trajetória de “democratização”, traçada desde meados da década de 60.

Pierre Cardin, um estilista italiano naturalizado francês, é uma espécie de síntese do que de melhor e pior pode ocorrer com uma marca de luxo quando defrontada com o paradoxo típico de sua gestão. “Paradoxo” porque a grande fortaleza de uma marca de luxo é sua exclusividade, enquanto seu potencial econômico só pode ser totalmente aproveitado quando a empresa abre mão dessa mesma exclusividade. Como conciliar os dois é a pergunta que se fazem 11 em cada 10 gestores do setor.

Cardin optou por ir a fundo na democratização e desde a década de 60 tem inundado o mercado com produtos que levam a sua assinatura, fabricados por manufaturas licenciadas em todas as partes do mundo. Não fez esse movimento sozinho, diga-se de passagem; liderou-o e foi acompanhado por praticamente todas as maisons de luxo da Itália e da França à época. Porém, ao contrário destas, que revisaram sua política de licenciamento em nome da recuperação do prestígio cadente de seus nomes, Cardin nunca deixou de apertar o acelerador. Tanto que se você entrar no site brasileiro da marca, poderá conferir ali o rol de empresas licenciadas pelo estilista no país, algo absolutamente incomum para uma grife de luxo.

O resultado?

Não há nenhuma lista de marcas de luxo mais desejadas do mundo na qual a Pierre Cardin apareça. Pelo contrário: em pesquisa realizada na Ásia, em meados da década de 90, a marca liderava os ‘dislikes’ no setor, por estar associada à baixa qualidade. A Pierre Cardin tornou-se uma marca voltada à classe média, encontrável em qualquer ponto-de-venda a preços razoáveis.

Um mau negócio? Depende do ponto de vista. Às portas dos 90 anos, Pierre Cardin está bilionário. Sua empresa não deve, em tamanho, a tantas contemporâneas que optaram por se manter mais exclusivas. O problema está no futuro. Marcas de luxo aproveitam-se do fascínio que exercem sobre o público para praticarem margens de lucro mais elevadas. À medida que esse fascínio se esvai, devido à popularização, o potencial de sobrepreço cai. Com o tempo, se nenhum movimento for empreendido em sentido contrário, a tendência é a marca equiparar-se a todas as demais que disputam a preferência do consumidor com base em atributos “mundanos” como preço e distribuição. E daí todos os ativos acumulados ao longo de uma história estarão perdidos.

Mas isso, claro, não parece um problema para Cardin, que optou por desfrutar das delícias imediatas do downgrade de sua grife, sem maiores pretensões de perenizar seu nome. As dores de administrar uma marca sem brilho ficarão reservadas àqueles que comandarem o negócio nas próximas décadas.

ARtigo originalmente publicado em Gestão do Luxo, junho de 2012.

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