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Faltou pensar no Homer

Ou: por que até a mais brilhante empresa de tecnologia precisa de um bom profissional de marketing


As editorias especializadas em informática anunciaram dia desses que a nova versão do Windows, a ser lançada oficialmente no próximo ano, deverá retomar certas funcionalidades históricas do software, abandonadas na última edição. Volta o famoso botão “iniciar”, por exemplo, e o campo de buscas passa a ser oferecido tanto na parte inferior do menu quanto na barra de tarefas. “Parece uma redundância desnecessária”, escreveu a Folha de S. Paulo a respeito, “mas a Microsoft está farta de usuários perdidos”.

Talvez os usuários pudessem dizer-se fartos também. Historicamente, as diferentes versões do Windows apresentavam mudanças incrementais que pouco alteravam a usabilidade do programa na mão daqueles que já o conheciam. Não foi o caso da edição 8, que subverteu o próprio histórico da Microsoft de evoluções sutis e provocou irritação nos usuários tradicionais.

É possível extrair três lições desse episódio. A primeira relaciona-se ao comportamento dos clientes. Certos produtos demandam aprendizado por parte do consumidor. E o aprendizado é tanto mais rápido e fácil quanto mais ancorado estiver em conhecimentos anteriores. Usar versões novas do Windows e de seus programas não constituía problema pois as transições entre os diferentes modelos do software favoreciam a adaptação; bastavam alguns dias de uso e os novos procedimentos eram incorporados à rotina com tranquilidade. Para se adaptar à era dos smartphones e tablets, a Microsoft rasgou essa cartilha e apostou que a utilização da edição 8 seria tão intuitiva e natural que prescindiria da familiaridade construída ao longo de décadas nas edições anteriores. Errou.

Segunda lição: o mercado de programas para computador não é muito diferente de outros tantos e se presta à segmentação de sua clientela. E a segmentação mais rudimentar divide os usuários em leigos e iniciados – ou em linguagem corrente, “comuns” e “nerds”. Como lembra o colunista David Pongue, na Scientific American Brasil de setembro, “alguém sempre acaba insatisfeito. Se o projeto e a interface são muito técnicos, novatos se sentem incompetentes; se a experiência é simples demais, os geeks se sentem insultados e subestimados”.

Ora, o Windows e o Office são o sistema operacional e o aplicativo mais massificados do mundo e, sabemos bem, os interessados em tecnologia não passam de um nicho, uma tribo. Como pôde a mais bem-sucedida empresa de informática do mundo sucumbir à tentação de ignorar a maioria sileciosa de seus usuários em prol de um grupo barulhento, mas diminuto?

Um palpite (e dele decorre a terceira lição): faltou um profissional de marketing para mediar o desenvolvimento da versão 8 e os futuros utilizadores. Alguém que, distante da panelinha geek dos programadores, conseguisse enxergar o lado do consumidor, o sujeito que teria de fazer uso diário do produto em elaboração. Preferencialmente alguém tão afeito à tecnologia quanto cada um de nós – ou seja, dotado de alguns conhecimentos básicos e nada mais. Alguém que, diante do esboço da nova versão e da ausência do botão “iniciar” se insurgisse contra essa heresia tec e gentilmente recomendasse seu retorno.

William Bonner, editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, tem um critério para definir se a maneira como as notícias são narradas está adequada ao telejornal: “O Homer é capaz de entender isso?”. O Homer em questão é Homer Simpson, o personagem de desenho animado que encarna, na visão de Bonner, o estereótipo do telespectador típico do JN: de meia-idade, conservador e com nível de instrução intermediário. Pois bem: diante da tecnologia, a maior parte dos usuários são perfeitos Homer Simpsons. Limitados, desconfiados e sem a menor paciência para explorar funcionalidades escondidas. E o papel do marketing, nas companhias de tecnologia, é justamente pensar no usuário comum, que vê nos gadgets apenas ferramentas que facilitam seu dia-a-dia, e não objetos-fetiche capazes de desafiar sua inteligência ou curiosidade.

Pelo visto, faltou alguém na Microsoft pensar no Homer. Deu no que deu.

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