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A longa viagem

Ou: por que gestores brasileiros tendem a não simpatizar com o trabalho remoto.


Sempre acompanho com curiosidade depoimentos de brasileiros que atuam no exterior a respeito dos hábitos organizacionais e das relações de trabalho nos escritórios. Na maior parte das vezes, nossos compatriotas dão a entender que seus colegas de empresa são mais individualistas e menos preocupados com a opinião alheia a respeito do que fazem ou deixam de fazer. Não se importam de sair mais cedo, se estiverem quites com suas atribuições, nem oferecem ajuda a um colega assoberbado – é cada um na sua.


Pesquisa da E&Y de 2014 já sugeria essas diferenças, só que a partir de um enfoque oposto: o de estrangeiros que atuam por aqui. "(...) Mais do que alguém que ajude a conseguir bons resultados, o brasileiro quer trabalhar com pessoas com quem seja fácil se relacionar. (...) Primeiro, ele tem que confiar e se dar bem. Depois, vem a tarefa (...). Isso se materializa, por exemplo, nas ("necessárias") conversas pessoais antes de começar uma reunião, (...) e até em nossa (velada) dificuldade em separar o que é profissional do que é pessoal. Em outras culturas, o tom é outro: 'viemos aqui para fazer negócios, não amigos'" (matéria completa aqui).


Daí, não surpreende que gestores brasileiros que assumiram seus cargos durante a pandemia, em meio ao trabalho remoto, tenham reportado a mesma dificuldade: não conseguir estabelecer uma conexão pessoal com seus subordinados. Repetem-se os relatos de CEOs que lamentam não ter tido a chance do "olho no olho" com a equipe, do papo no cafezinho ou das amenidades pré-reuniões – tudo aquilo que, segundo deles, ajuda a nutrir confiança, disseminar a cultura organizacional e motivar o pessoal (matéria completa aqui, para assinantes). O lado prático da labuta até funciona melhor remotamente, reconhecem. Mas trabalho, por aqui, não é apenas trabalho – ao menos na visão daqueles que têm de comandar pessoas e responder por resultados.


Passa por essa percepção, a meu ver, o futuro do home office no Brasil. A maior parte dos adeptos do teletrabalho exalta a possibilidade de não precisar se deslocar, de dar expediente de cidades distantes ou até mesmo de viver como nômade. Mas chefes são diferentes. Além da proverbial necessidade de controle, sua responsabilidade é maior – para com a empresa e com a própria reputação profissional. Estão no comando de uma nau e precisam saber em quais marujos confiar, e confiança não se constrói apenas com base na capacidade técnica – não, ao menos, sob a ótica brasileira. Pois como ensina o mais experiente navegador do país, Amyr Klink, "em uma viagem longa, a índole conta muito mais no indivíduo do que a competência" (Valor Econômico, 29/11/2013).


E liderar uma empresa, quase sempre, é uma longa viagem.

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