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"É possível ser feliz abrindo mão de luxo e dinheiro em nome de tempo livre e família"

Autor do livro “Por uma Vida Mais Simples”, o professor gaúcho André D’Angelo conta histórias de pessoas que optaram por uma vida mais simples e o que aprendeu com a mudança de trajetória delas.

Deixar a presidência de uma multinacional no auge da carreira. Doar quase todo alto salário de empresário de sucesso.Trocar um apartamento de luxo por um quarto e sala. Parece estranho? Mas há quem acredite que a felicidade não está no dinheiro e no status. Essas pessoas não negam os benefícios do luxo - que já experimentaram-, mas, em um determinado momento da vida, perceberam que não precisam de tanto para viver e deram uma guinada em suas vidas.

Foi a conclusão que chegou o gaúcho André Cauduro D’Angelo, professor da PUC-RS e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM Sul), após entrevistar 31 pessoas, entre elas a escritora Danuza Leão, o jornalista Ricardo Setti e o empresário Estevam de Assis. A partir dessas histórias de mudança, ele escreveu o livro“Por uma Vida Mais Simples” (editora Cultrix, 232 páginas). Na entrevista abaixo,ele explica como é possível aplicar no dia a dia algumas renúncias materiais para ser mais feliz.

A Gazeta do Espírito Santo - Como surgiu a ideia de escrever o livro?

D'Angelo - A minha formação é na área de administração,trabalho com marketing e gestão. Uma coisa que começou a me chamar a atenção nos últimos anos é que, ao contrário do caminho normal ou natural, muitas pessoas renunciavam, faziam opções por vidas que não eram aquelas mais convencionais. Elas eram capazes de renunciar aos melhores empregos ou aos que pagas sem mais em nome de outras fontes de satisfação. Ou mesmo de dispor de mais tempo livre. Daí investigando um pouco mais sobre o assunto, descobri uma filosofia de vida chamada de simplicidade voluntária, que surgiu no EUA el á é bastante forte e tem um bom contingente de adeptos na França, no Canadá e na Alemanha. E foi atrás desse conceito que eu fui pesquisar.

A Gazeta - O que é esse conceito?

D'Angelo - Basicamente, é a ideia de que é possível ser feliz fazendo algumas renúncias que a nossa sociedade considera essenciais –trabalhos bem-remunerados, bens de consumo novos e mais modernos -, em nome de outros valores, como ter mais tempo livre, melhores relações pessoais com a família e os amigos, ter interesse por outras coisas que não sejam necessariamente remuneradas ou mesmo ter preocupações de caráter espiritual ou ambiental. A simplicidade voluntária funciona assim: ela atende ou procura orientar pessoas que têm algum tipo desconforto com características da vida moderna. É uma alternativa a um modelo de vida menos convencional que, segundo ela, pode trazer mais satisfação.

A Gazeta - Esse estilo de vida é limitado a quem já tem um certo patrimônio e pode optar por um novo caminho?

D'Angelo - De certa forma, sim. Eu notei que a pessoa precisa perceber que a vida que ela perseguiu- com bens, dinheiro, trabalho remunerado-não é uma vida capaz de trazer toda satisfação e felicidade que ela imaginou. Enquanto estamos privados de algo, almejamos aquilo mais que qualquer outra coisa na nossa vida. É difícil convencer alguém que carro, celular e determinada roupa não vão trazer satisfação. Mas as pessoas que alcançam isso, em algum momento, se sentem vazias. Dizem que aquilo não basta. E que talvez seja um excesso e até atrapalhe sua realização. De fato, é mais comum encontrar pessoas adeptas à simplicidade voluntária de classe média, classe média alta,que já fizeram essa trajetória.

A Gazeta - Esse movimento está crescendo no Brasil?

D'Angelo - Não existe estatística. Imagino que as pessoas tenham mais consciência desse estilo de vida, mesmo sem conhecer o conceito. O crescimento é uma percepção. O que chamou mais a sua atenção? São vários casos. Os paulistas que foram morar na praia são um caso bem expressivo. Já existe uma pequena comunidade de estrangeiro se pessoas do centro do país que vivem no litoral do Piauí do Rio Grande do Norte em busca de uma vida mais tranquila, mais simples. São pessoas que vão para montar um restaurante, um bar ou uma pousada e acabam levando uma vida de praia. Outro caso foi o do empresário que foi dono da maior rede de supermercados de Minas Gerais e ainda hoje é um empresário que atua em diversos outros ramos. Ele tem uma convicção religiosa muito forte. Há muito tempo doa praticamente tudo que ganha à igreja. Ele quase não tem remuneração e vive em uma casa de acolhida de padres com a esposa. Na época que eu o entrevistei, ele alugava um apartamento onde ia muito pouco e andava em um carro popular.Toda a família tinha esse hábito. Ele diz ia que a pobreza tira a sua dignidade,mas a riqueza te corrompe. Ninguém precisa de muito para ser feliz, precisa do suficiente.

A Gazeta - Você percebeu que ele é feliz?

D'Angelo - Sim, visivelmente. A convicção religiosa e o interesse usar o dinheiro que tem para obras de caridade, certamente, trazem grande satisfação. E ele não deixa de ter a cabeça de empresário, de saber como investir, fazer o que precisa ser feito, como organizar. Ele é uma pessoa convicta nesse sentido e conduziu a vida toda assim. Ele veio de uma família de 12 irmãos que construiu uma rede de supermercados, mas uma família modesta e que, desde de cedo, foi ensinada a pagar o dízimo. Eles enriqueceram, mas nunca desfrutaram totalmente por ter essa convicção de simplicidade. Todos os membros da família usam um anel que simboliza essa simplicidade. Inclusive, o nome do grupo deles hoje é “São Francisco de Assis”, que é o santo da simplicidade.

A Gazeta - E com o mesmo nome tem o exemplo do papa Francisco...

D'Angelo - Ele escolheu pela primeira vez o nome desse santo para ser um nome de papa. Faz uma pregação que é plenamente coerente com a vida dele. O papa renuncia às melhores acomodações do Vaticano em nome daquelas suficientes. A Igreja Católica se renova muito com a prática dele.

A Gazeta - E o que mudou no senhor depois que escreveu o livro?

D'Angelo - Eu acho que o processo de pesquisa do livro e, principalmente, o contato com os entrevistados me ajudaram a reforçar a ideia de que existem outras vidas possíveis. A gente nasce, cresce e leva uma vida que, muitas vezes, é quase um piloto automático. A gente toma certas decisões e adota certos caminhos que parecem ser o únicos disponíveis. As pessoas que aplicaram a simplicidade voluntária, seja de maneira menor ou mais radical em sua vidas, romperam com isso. Tomaram consciência de que poderiam fazer diferente. Elas poderiam ter o comando da vida delas para fazer algo que não era esperado por elas, que nunca tinham cogitado fazer. Um empresário que era presidente de uma multinacional e perde o pai, percebe que não quer ter esse destino, quer aproveitar a vida e se aposenta no auge da carreira. Ele poderia postular posições no exterior, mas decidiu dar um tempo. São coisas que nos surpreendem, porque não estão no senso comum. O que mais gostei e mais me chamou a atenção nesse trabalho foi a ideia de que a gente tem o controle sobre a nossa vida e que não podemos abrir mão disso.

A Gazeta - E a história da Danuza Leão?

D'Angelo - Ela fala que sempre foi muito consumista, impulsiva. Se acostumou a um padrão de vida e não questionava isso. Ela tem o hábito, o gosto de se mudar. Em um determinado momento, ela vai morar em um prédio sem garagem e o carro passa a ser um estorvo. Ela pensa: por que não ficar sem carro? Fazer as coisas a pé ou usar táxi. Nesse processo, ela se apaixona por um apartamento quarto e sala, amplo, mas de um dormitório só. De novo: se dá conta que vai para um espaço menor e pensa: “O que eu faço com as minhas roupas, CDs e livros?”. Ela fez um processo de simplificação de seus objetos e disse que ainda sobrou espaço no guarda-roupa dela. Poderia tirar mais coisas que sabe que não precisa.

A Gazeta - Envolve o desapego?

D'Angelo - Exatamente. A gente tem que desapegar de objetos, de ambientes que a gente circula, de alguns prazeres, em nome da descoberta de outros gostos. Se gosto de frequentar bons restaurantes, mas esse prazer me consome tempo e saúde mental, posso substituir por outro. O apego inclui objetos, cargos, pessoas e status. O presidente da multinacional contou que, com o cargo dele, as portas se abriam. Ele chegava em um hotel e tinha uma cesta de frutas com um bilhete do gerente o chamando pelo nome e agradecendo a presença dele. É difícil desapegar disso. De ser chamado para dar entrevista, de partilhar uma mesa com o ministro da fazenda. Isso é bacana, mas nos exige tempo, causa estresse e preocupações, e priva de outras tantas coisas.

A Gazeta - Como aderir à simplicidade voluntária, sendo que vivemos em um país onde não há serviços públicos de qualidade?

D'Angelo - Nota-se claramente que é muito mais fácil ser adepto da simplicidade se a gente vive em um país desenvolvido, onde o transporte coletivo funcione bem, que o sistema de saúde gratuito atenda bem, que eu consiga colocar o meu filho em uma escola pública. A gente precisa ter essa consciência de que não podemos renunciar a tudo. Seria demagogia falar isso.

Mas o que eu acho interessante é a pessoa se questionar se aquilo que ela está fazendo de fato vai trazer satisfação. E se, de repente, ela não teria uma, duas ou três alternativas, que talvez vão trazer mais satisfação. Mesmo que isso implicasse em um tipo de renúncia que os outros vão estranhar, porque a gente tem dois bloqueios. Um deles é o nosso: tomar uma decisão que não seja esperada. E o segundo é convencer os outros. Chegar e dizer: “Eu vou me aposentar”. Ou como a entrevistada que abandonou um emprego público e disse ao chefe que não aguentava mais o trabalho. Ele disse para ela ficar mais um tempo e ter aposentadoria integral. Mas ela respondeu que não aguentava e que queria ir embora. Não é só tomar coragem, mas também enfrentar o olhar dos outros. A reprovação, o estranhamento e, quem sabe, até a torcida negativa, porque se a gente faz é dá certo é sinal de que eles poderiam fazer também.

Se questionar é importante e, às vezes, fazer mudanças simples do dia a dia e testá-las. Por exemplo: se o carro da pessoa for roubado, ela pode chegar a conclusão que ter o carro não é tão importante e que consegue se virar bem sem o veículo. O Gandhi dizia que se alguma coisa te faz feliz, não tem porque se desapegar dela. Se pra mim é muito prazeroso e conveniente ter um carro ou um serviço de TV a cabo, beleza. Não tem por que a gente abrir mão. Agora o que a gente pode é ser mais flexível e descobrir novas possibilidades de vida, a partir de experimentos.

MANEIRAS PRÁTICAS DE VIVER MELHOR O DIA A DIA

Mesmo com a rotina agitada, o professor apresenta maneiras de equilibrar a vida. Segundo ele, é fundamental respeitar os próprios limites. “Não somos produtivos sempre no trabalho ou em qualquer outro tipo de atividade. Tem momentos que precisamos dar um tempo e parar”. No dia a dia, praticar exercícios, ter momentos de lazer e, principalmente, conversar para se relacionar com os outros são atitudes essenciais. “Pesquisas mostram que dinheiro é importante, mas o que é mais decisivo para ser feliz são os relacionamentos com a família, amigos, colegas e conhecidos. Se temos espaços de socialização, isso tende a se tornar mais importante do que a remuneração no longo prazo.”

PROFESSOR DEMOROU QUATRO ANOS PARA ESCREVER O LIVRO

Entre a pesquisa e a redação, André D’Angelo se dedicou por quatro anos para concluir a obra. Nesse tempo, entrevistou pessoas de diversas partes do Brasil. Muitos gaúchos, cariocas e alguns paulistas que foram viver no interior do Piauí. Mas um mineiro chamou a sua atenção: “Conversei com um empresário que foi dono da maior rede de supermercados de Minas Gerais. Ele tem uma convicção religiosa forte e doa quase tudo que ganha. Ele diz que a pobreza tira a dignidade, mas a riqueza corrompe: ‘Ninguém precisa de muito para ser feliz, precisa do suficiente’”.

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