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Muito cuidado com a autocomunicação


Recentemente, um microempresário conhecido meu recebeu a visita de dois integrantes de uma associação de classe que tentavam convencê-lo a se filiar à entidade. O benefício oferecido? Participar de eventos nos quais teria contato com outros empreendedores e executivos, de modo a trocar ideias e tomar conhecimento de novidades – o que o ajudaria a “oxigenar” a própria organização e a maneira como a conduzia, segundo os proponentes.

O argumento pode não ter sido lá muito criativo, mas guarda um fundo de verdade. Expor-se ao contato externo é uma maneira de variar um pouco o cardápio de informações com as quais se lida no dia a dia corporativo. É também uma forma de se prevenir contra um problema que, mais dia, menos dia, acomete toda organização: a autocomunicação.

O nome soa estranho, mas a definição, nem tanto. Autocomunicação é o processo no qual um grupo repete determinadas ideias tidas como verdadeiras de modo a reforçá-las continuamente. Desse jeito, preserva-se do desconforto de ter de revisar premissas ou abandonar certas perspectivas. Pode estar presente na maneira como as empresas interpretam o mercado e os movimentos dos concorrentes, no modo como veem os consumidores e nas apostas que fazem para o futuro. Ela é perceptível em documentos internos, reuniões, grandes convenções e até na sua própria publicidade.

A autocomunicação, em si, não é um mal. Trata-se, a rigor, de uma peculiaridade do funcionamento dos grupos – algo que os permite alcançar um mínimo de consenso sobre determinados temas, habilitando-os,assim, a agir. Seu extremo oposto,o autoquestionamento constante, é mais apropriado para a filosofia do que para a administração de empresas, como qualquer gestor há de concordar.

No entanto, a autocomunicação se torna perigosa quando transforma a organização numa bolha impermeável ao exterior. Como qualquer sistema social, é conveniente que as empresas sejam submetidas a uma tensão positiva que as conduza,de tempos em tempos, a repensar concepções ou revisar princípios.Eventos, cursos, leituras, anos sabáticos etc – tudo pode contribuir nessa direção, mesmo quando parece ter pouca relação com a atividade-fim da organização.

Um alerta adicional, contudo, precisa ser feito: a tal “oxigenação”das ideias dentro de uma corporação só ocorre, de fato, quando uma eventual informação conflitante não apenas é obtida, como também compartilhada internamente. Ou seja, deve-se assegurar a oportunidade de vozes dissonantes se manifestarem, provocando a tensão positiva mencionada acima.

Desse modo, contribui-se para afugentar o par perfeito da autocomunicação: o happy talk (“conversa feliz”, em inglês). Aquele papo excessivamente otimista que, volta e meia, faz gestores e subordinados acreditarem em um futuro bem mais róseo do que o que se avizinha – e sufocar o dissenso,geralmente mais ponderado,cauteloso e realista.

Coluna Sr. Consumidor, publicada originalmente em Revista Amanhã, ed.315/nov.2015.

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