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É o marketing, estúpido

ONGs perdem doações para pedintes e igrejas. Não é difícil entender por quê

Anna_leni/GettyImagem

De alguns anos para cá firmou-se a convicção de que o marketing não é e nem pode ser uma ferramenta restrita às organizações com finalidade lucrativa. Governos, ONGs, personalidades públicas, instituições religiosas, destinos turísticos e partidos políticos podem, e muitas vezes devem, desenvolver ações de marketing caso queiram ver seus objetivos atendidos – sejam eles arregimentar seguidores e/ou trabalhadores voluntários, arrecadar doações ou somente disseminar suas ideias entre uma população. A razão pura e simples dessa verdadeira necessidade é que praticamente toda organização, seja lá qual for seu propósito ou ramo de atuação, tem clientes e concorrentes, e a existência desses dois agentes basta para justificar a prática do marketing, ainda que timidamente.

Uma pesquisa recente sobre doações e voluntariado ajuda a ilustrar essa realidade. Segundo ela, 73% dos brasileiros não se sentem estimulados a fazer doações ou trabalho voluntário. Entre aqueles que doam, 30% o fazem para pedintes nas ruas, 30% para igrejas e somente 14% para ONGs. Crianças (30%) são o público beneficiário que mais estimulam alguém a doar (mais sobre a pesquisa aqui).

A solidariedade constitui um mercado. Há os clientes “finais”, por assim dizer (os beneficiários das ações, como crianças, idosos, animais etc.), e aqueles que viabilizam as iniciativas (mantenedores e voluntários). A rigor, só o primeiro grupo existe em abundância, pois sempre haverá quem esteja em situação de vulnerabilidade. O segundo contingente, contudo, é escasso: poucos são os que se dispõem a doar tempo e dinheiro para qualquer auxílio.

Por isso, organizações concorrem entre si na disputa por esses doadores e voluntários. Primeiro, devem sensibilizar o sujeito para uma causa, como convencê-lo de que salvar tubarões australianos é mais relevante do que crianças famintas do Nordeste, por exemplo. Depois, a transformar essa sensibilidade em algo prático: militância e/ou dinheiro. Por fim, devem tentar mantê-lo engajado por um longo período de tempo, para que consigam dar continuidade às suas atividades.

Ao que parece, as ONGs que se multiplicaram no Brasil nas últimas décadas estão perdendo a disputa das doações de pessoas físicas para dois concorrentes improváveis: as igrejas e os pedintes. A primeira tem acesso a um grupo cadente, porém numeroso, de pessoas. Geralmente contam com credibilidade e fazem do auxílio aos necessitados uma forma de seus seguidores praticarem aquilo que professam em missas e orações. Seus canais de distribuição (ou de recolhimento de doações, na verdade) são muitos, e historicamente identificados com esse tipo de atividade. Uma vantagem competitiva e tanto.

Os pedintes, por sua vez, são uma espécie de freelances desse negócio. Estão em quase toda esquina e contam com aquele misto de empatia e piedade que despertam nos motoristas e transeuntes para garantir a própria sobrevivência. Vivem de “doações por impulso”, por assim dizer.

O que resta às ONGs, então? Para não dependerem tanto de auxílio oficial, o binômio diferenciação-divulgação é uma saída. Suas causas precisam ser vistas como legítimas, importantes e urgentes, e todos os canais de comunicação e contato com a população devem ser aproveitados.

Simples, fácil? Nem um pouco. Tanto quanto não é simples nem fácil a vida de qualquer supermercado, operadora de celular ou fabricante de refrigerantes. Só que nenhum destes cogitaria abrir mão do marketing – por que então uma ONG deveria fazê-lo?

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