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A solidariedade na era do marketing

O ativismo da imagem ajuda de um modo diferente: deixando as causas parecidas com produtos

Alguns anos atrás, em face das seis milhões de camisetas vendidas da campanha “Câncer de Mama no Alvo da Moda” e do iminente licenciamento de seu logotipo para adornar inúmeras mercadorias, escrevi para uma revista que atualmente as causas sociais precisavam “ser escolhidas e ‘compradas’ pelos consumidores, como se fossem produtos e serviços quaisquer”. O motivo? Viveríamos aquilo que “o filósofo francês Gilles Lipovetsky chama de ‘a moral indolor’ dos nossos tempos, regida pela lógica do espetáculo e do marketing da solidariedade, na qual predomina a influência da mídia e da emoção mais do que o dever “sacrifical” de ajudar o próximo”.

Com isso, eu concluía, o sucesso de uma empreitada solidária dependia “menos da sensibilização do cidadão diante da importância da causa do que da sensibilização do consumidor perante o apelo simbólico e estético de seu entorno, de sua embalagem”.

Isso foi em 2005.

Está em exposição em alguns shoppings de São Paulo, até 31 de maio, uma exposição fotográfica promovida pela ONG Ampara Animal. Nas fotos, celebridades brasileiras como Cleo Pires, Sabrina Sato, Paola Oliveira e Yasmin Brunet, entre outras, aparecem abraçadas a cães e gatos abandonados, ou vestindo camisetas com frases de conscientização contra o abandono e os maus tratos de pets.

Como tantas ONGs que existem por aí, a causa da Ampara Animal é combater o abandono e os maus tratos de animais domésticos. Mas com um diferencial: ela não recolhe nem hospeda pets abandonados ou resgatados de más condições. Ela atua, unicamente, na seara da informação, do marketing e da imagem. Organiza jantares, intermedeia doações, arregimenta patrocinadores e desenvolve campanhas de conscientização, como essa das atrizes e modelos.

Uma moleza de trabalho voluntário, certo? Nem tanto. O resgate e o tratamento de animais é obviamente mais trabalhoso, custoso e sacrificante, mas não se pode desprezar a contribuição que o ativismo da imagem possa gerar – e nem desconsiderar que essa seja uma nova forma de engajamento com potencial de crescimento e mobilização reais. No tal artigo de 2005, lembro que “parte das mobilizações coletivas de outrora hoje ingressou numa era estetizada, sendo representada por marcas e campanhas publicitárias. Nelas, a adesão das pessoas se dá mais devido aos apelos simbólicos de caráter consumista do que a projetos coletivos que demandem engajamento profundo”.

E o que isso significa?

Ora, “se as pessoas compram roupas, carros e viagens buscando conferir-se uma identidade, por que não fariam o mesmo na hora de apoiar uma causa ou outra? É mais fácil remar a favor do que contra a maré. Na inevitabilidade da vitória capitalista sobre outras formas de organização econômica e social, o pragmatismo se impõe com alguma naturalidade, e as campanhas de interesse público, no fim das contas, passam a disputar um mercado, assim como tantos produtos e serviços por aí”.

Por isso, arregimentar celebridades para uma campanha publicitária pode não demandar tanto sacrifício quanto recolher animais das ruas, mas é capaz de gerar resultados tão bons quanto. Ver uma atriz da Globo abraçada a um cãozinho pode produzir numa criança, por exemplo, um excelente efeito conscientizador, tão relevante quanto arrumar um lar para um animal abandonado. Além do mais, não compete a nós julgar a natureza do auxílio, pois o que importa, no fundo, é ajudar.

Falando em ajudar: existe uma série de ONGs e voluntários gaúchos sérios e superdedicados ao combate aos maus tratos animais e à tentativa de articular uma rede de adotantes para pets abandonados. Seguem seus sites e páginas no Facebook para você dar uma espiada e, quem sabe, ajudar também – seja divulgando suas ações, comprando um souvenir ou, por que não?, adotando um animalzinho. Foi através da internet que eu e minha esposa adotamos a Lupe, nossa vira-lata cuja foto ilustra esse post.

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