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Consumir é um aprendizado

Reiteramos a aquisição daquilo que satisfaz nossas necessidades e se encaixa no orçamento de que dispomos

Dos primeiros meses de vida, quando esboçamos palavras e passos, até o final dos nossos dias, estamos sempre aprendendo. Desde a aprimorar nossas habilidades em um esporte, por exemplo, ou ainda a expandir nossos horizontes intelectuais, dominando um novo idioma, aprender impõe-se reiteradamente como necessidade ou prazer. Com o tempo, muda a natureza e a velocidade do aprendizado, mas o processo, em essência, mantém-se igual. Frente à evolução tecnológica e o avanço do conhecimento, cunhou-se inclusive a expressão “sociedade do aprendizado”, exatamente para caracterizar a necessidade de atualização constante a que temos que nos submeter.

E a consumir, aprendemos?

Certamente que sim. A própria repetição de compras de produtos com os quais nos habituamos é um sinal de aprendizado; reiteramos a aquisição daquilo que satisfaz nossas necessidades e se encaixa no orçamento de que dispomos.

Nosso comportamento frente aos argumentos dos vendedores e aos apelos da propaganda também são reflexo de nosso aprendizado. Se uma vez formos enganados por alguma promessa não cumprida, passamos a ser mais atentos e desconfiados. E se nos sentimos inseguros para comprar algum produto mais complexo, tratamos de nos municiar com informação, a fim de aprimorar o conhecimento e realizar a melhor aquisição possível - caso freqüente na compra de imóveis, carros, aparelhos eletrônicos e até bens que demandam uma apreciação diferenciada, como alimentos e bebidas.

Nesse sentido, um dos fenômenos de “aprendizado de consumo” em voga no Brasil é o de vinhos finos – fenômeno este que já ocorreu nos EUA em décadas passadas. O jornalista George Taber narra, em seu livro “O julgamento de Paris”, a explosão dos preços de alguns vinhos raros nas décadas de 90 e 2000. O que Taber descreve, no fundo, é um processo de aprendizado para apreciação de um produto complexo, como o vinho, ocorrendo em um país no qual sua tradição não é das mais longas:

“(...) essa nova classe de americanos ricos viu no vinho a possibilidade de adquirir uma aura de nobreza. (...) O melhor símbolo dos exagerados anos 90 foi a popularidade que os famosos vinhos-troféu alcançaram. Eles eram vendidos em leilões a preços inacreditáveis (...) O propósito (dos compradores destes vinhos) não é exatamente degustá-los: esses vinhos servem para ser postos em cima de uma lareira e admirados. São um símbolo enorme de sucesso de seus donos e são comprados sobretudo para impressionar amigos e visitas.”

O mesmo fenômeno está-se reproduzindo atualmente, mas não nos EUA, e sim na Rússia e na China. Segundo reportagem da revista IstoÉ (01/08/07),

“(...) os preços dos mais aclamados vinhos (...) atingiram níveis recordes, inflacionados por novos compradores cheios de dinheiro, sobretudo russos e chineses. Ao contrário dos apreciadores tradicionais, que elevam gradualmente a qualidade dos vinhos que tomam, os novos ricos querem começar suas experiências dionísicas direto no topo. (...) ‘Para esses milionários, quanto mais caro, melhor’ (...)”.

Comprar os vinhos mais elaborados para transformá-los em objeto de decoração, ou mesmo bebê-los sem a devida capacidade de apreciação, é um sacrilégio que os enólogos haveriam de condenar, assim como certamente os entendidos em moda reprovariam alguém que adquirisse uma peça Louis Vuitton apenas pela logotipia abundante. Mas pecados cometidos em uma primeira vez nem sempre se repetem, felizmente. Para alguns destes compradores dos “vinhos-troféu”, possivelmente a capacidade de apreciação da bebida não evolua com o tempo. Outros, por outro lado, talvez façam, daqui a alguns anos, reflexão semelhante a de um dos meus entrevistados no livro “Precisar, não precisa”:

“Quando eu tinha uns 22 anos eu já gostava de vinho. Com o primeiro salário de estágio que eu recebi eu comprei uma garrafa de Chateau Mouton-Rothschild. Mas eu não entendia de vinho. E foi esse meu erro. Eu deveria estar apreciando aquilo com muito mais know-how do que o que eu tinha. Eu não tinha paladar pra tomar o Mouton com 22 anos.” O resultado que essa experiência produziu nesse entrevistado pode ficar de conselho para os milionários que andam correndo atrás de vinhos para expor sobre a lareira, ou mesmo para aqueles consumidores que, na Índia, entrarão em uma loja de luxo pela primeira vez: “você tem dinheiro? Não seja um desenfreado, faça por merecer (o que o dinheiro lhe proporciona)”.

Ou, dito de outra forma: tente aprender, pois consumir é um aprendizado.

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