Interesseiro?! Eu?!
Oferecer recompensas para atos que deveriam fazer parte da nossa obrigação moral soa ofensivo
Suponhamos que um hospital de Porto Alegre veja seus estoques de sangue minguarem pouco a pouco. Os pedidos de doação através da imprensa não surtem efeito e a situação parece insolúvel. Até que um gestor qualquer dá a idéia: “por que não oferecemos uma recompensa em dinheiro para as pessoas doarem sangue?”.
Brilhante idéia? Estoques cheios em pouco tempo? Não!
Ao menos é o que afirma Samuel Bowles na edição de março da Harvard Business Review. Segundo o autor, oferecer recompensas para atos que deveriam fazer parte da nossa obrigação moral soa ofensivo – e pode trazer efeitos contrários àqueles esperados.
Ser altruísta ou cumprir regras não é fruto apenas de uma moral internalizada; é, também, um recurso do qual dispomos para “ficarmos bem na foto” com os outros e com nossa consciência. Todo mundo gosta de ser visto como ético e generoso, e nunca como mercenário e interesseiro. Por isso, incentivos materiais não estimulam a solidariedade ou o cumprimento de regras; devem ser usados, apenas, como pena potencial para sua não observação.
Uma saída para o hipotético hospital com os estoques em baixa? Associar a doação de sangue à transferência de uma determinada quantia, por parte do hospital, para uma instituição filantrópica. Dois apelos num só: ao doar sangue, está-se fazendo um bem aos doentes e à entidade beneficente. Gesto mais enobrecedor, não existe.
E melhor ainda: o sangue pode ser do doador, mas o dinheiro é do hospital.