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O LinkedIn #QuentinhoNoCoração

Seria a “rede social profissional” uma versão mais nova da dominação do capital sobre o trabalho?


As recentes demissões em massa nas startups brasileiras deram origem a diversas postagens no LinkedIn, a rede profissional mais utilizada do mundo. Nelas, recém desligados comunicavam suas saídas, acionavam contatos em busca de emprego e descreviam suas experiências nas companhias às quais davam adeus. Muito choro e ranger de dentes nesses relatos? Nada disso. Apenas #gratidão pelo aprendizado, #orgulho pela jornada percorrida e #AmizadeEterna com tantos colegas #Incomparáveis. O potencial rancor virara #gratiluz.


Motivos para isso não faltam. O LinkedIn é, antes de mais nada, uma rede profissional, e em circunstâncias assim a recolocação é prioridade. Não se fala mal de ex publicamente, seja ele amor ou patrão, pois nunca se sabe quando se precisará voltar para os braços de um ou de outro. Mas existe outra razão.


Há um bom tempo o LinkedIn virou uma rede social profissional. Social não apenas por propiciar o chamado networking. Social no sentido de emular a sinalização de virtude e a criação de personas digitais típicas de Facebook, Instagram e Twitter. E tome enaltecimento do #TeamWork, do #fazerAdiferença e do #BoraInovar, bem como de incentivos a colegas e amigos que acabaram de ser contratados ou promovidos: “Voa, garoto!”, “Que demais!”, “Parabéns, guria!”. O trabalho é uma grande fonte de realização em seu feed.


Realização ou submissão? Sim, pois o LinkedIn constitui, a meu ver, a forma contemporânea de controle do capital sobre o trabalho – ao menos sobre o chamado trabalho qualificado, aquele que exige Ensino Superior. Se “para exercer o poder, é necessário ocultá-lo”, como escrevia John Kenneth Galbraith, por meio do LinkedIn o mundo corporativo atua não por coerção, e sim por condicionamento: mostrar-se engajado além dos limites da organização é tão importante quanto estar engajado intramuros. Antes prerrogativa dos cargos de liderança, a crença entusiasmada em princípios como propósito, autorrealização e impacto social das empresas desceu as escadas da hierarquia e se tornou convicção coletiva obrigatória.


Publicamente obrigatória, aliás. A ponto de daqui a pouco ser incorporada às atribuições tácitas de muitas funções. Assim como ninguém sobrevive em uma empresa sem habilidades sociais e políticas, nem ascende profissionalmente sem um punhado de horas extras, celulares ligados depois do expediente ou e-mails enviados no domingo, o enaltecimento do emprego e do empregador no LinkedIn irá se tornar um compromisso subentendido de quem almeja as melhores vagas. Não por acaso o Nubank propôs aos funcionários despedidos um salário extra e a extensão do plano de saúde para que não difamassem o banco publicamente, segundo noticiou a Folha de S. Paulo em 19 de março.


Trata-se de um desdobramento da cultura profissional desenvolvida nos escritórios. Neles, conforme o jornalista Nikil Saval descreve em Cubiculados: Uma Histórica Secreta dos Locais de Trabalho (ed. Anfiteatro, 2015), a ambição de ascensão dos engravatados historicamente os afastou da autoconsciência de classe tão comum aos operários. Ao orbitar as salas das chefias, cada indivíduo via ali seu futuro potencial, ao contrário de seus colegas de fábrica, desprovidos de maiores perspectivas. Aos “cubiculados” não cabia fazer oposição a um poder ao qual desejavam se juntar brevemente; era preferível investir na autopromoção e no relacionamento interno do que numa mobilização sindical, por exemplo. As ambições particulares impediam o sujeito de se enxergar como vítima de exploração, tal qual os LinkedIners de hoje veem no #EuQueroEuPosso o caminho para o sucesso. Margaret Thatcher não dizia que “a economia é o método; o objetivo é mudar a alma”? Pois aí está. O sistema agradece.


Cada época tem seus mecanismos de dominação. Na escravidão vigoravam o castigo físico e o confinamento. Na era industrial, o controle do tempo e dos movimentos. No mundo dos serviços, o jugo pelo chamado “trabalho emocional”, aquele que exige simpatia e autocontrole permanentes do trabalhador em contato com o público. E, nos escritórios, por meio do status e do conforto conferidos pelo ambiente asséptico e climatizado. O LinkedIn e suas postagens cheias de emojis fofos é tão somente o mais recente a fazer jus ao ditado infame: os ex-escravizados dão os melhores capatazes.


Artigo originalmente publicado no caderno DOC, de Zero Hora, de 3 de junho de 2023.


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